“O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados abriu nesta quarta-feira (15) processo disciplinar para apurar suposta prática de racismo e homofobia por parte do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ).
A representação, apresentada pelo PSOL, pede a cassação do mandato de Bolsonaro e se refere a declarações prestadas pelo parlamentar em um programa de televisão e também a um desentendimento com a senadora Marinor Brito (PSOL-PA) (…)
Apesar de a representação protocolada pelo PSOL em maio pedir a perda do mandato de Bolsonaro, o relator poderá recomendar penas intermediárias como a censura verbal ou escrita e até a suspensão temporária por até seis meses.
O processo deve ser o primeiro a ser julgado após a mudança do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Casa, que agora permite que os pedidos de cassação que tramitam contra deputados possam receber penas alternativas como suspensão, censura verbal ou escrita.
No dia 26 de maio, a Câmara aprovou proposta que modificou o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Casa. Uma das modificações “autoriza o Conselho a concluir pela procedência total ou parcial da representação que apreciar, ou de sua improcedência, admitindo, nos dois primeiros casos, a aplicação da pena originalmente indicada na representação ou a cominação da pena mais grave ou mais leve, conforme a natureza e gravidade da conduta, com base nos fatos efetivamente apurados no processo”.
Já falamos do problema com o racimos no caso acima. Vale a pena (re)ler o post aqui. Hoje vamos usar esse mesmo caso para falar de um assunto diferente.
Ontem falamos que a pena não vai além da pessoa do condenado. Pois bem, hoje vamos continuar falando a respeito das penas, mas sob um outro prisma: a retroatividade da lei mais benigna. Em português de gente, isso significa que se a lei penal for modificada para melhor, ela pode retroagir para beneficiar o suspeito/condenado.
No caso da matéria acima, não se trata de uma lei penal em sentido estrito (a condenação seria pela Câmara e não pelo judiciário, e seria uma sanção administrativa-política, mas com um caráter de pena). Mas o que vamos falar para sanções penais vale também, via de regra, para o caso acima.
Reparem que o deputado falou o que falou em março, quando a norma (Código de Ética da Câmara) ainda não previa a possibilidade de penas mais brandas. O Código só foi modificado dois meses depois, em maio, segundo a própria matéria.
Se o Código tivesse aumentado ou piorado as penas (sempre olhando pela perspectiva do suspeito), a pessoa não poderia ser punida de forma mais severa. Isso porque, quando agiu, a lei não previa uma pena mais severa.
Um princípio de nossa democracia é que ‘não haverá pena sem prévia cominação legal’ (artigo 1o de nosso Código Penal). Isso significa que a pessoa só pode ser punida se ela sabia, quando agiu (ou se omitiu) a qual punição ela estava sujeita. Caso contrário haveria muita incerteza. Os julgadores estariam fazendo as leis de acordo com os crimes, no momento do julgamento. Qualquer pessoa poderia ser condenada a qualquer pena, por qualquer crime, a qualquer momento. Não há democracia que resista a tanta incerteza.
Mas, no Brasil (em outros países é diferente), a lei penal pode retroagir para beneficiar quem está sendo processado ou já foi condenado. Isso porque ela usa um princípio lógico diferente (mas não contraditório) ao explicado acima: se a sociedade deixou de perceber tal conduta como criminosa, ou passou a percebê-la como menos grave e por isso reduziu as penas possíveis, por que continuar aplicando a pena mais grave? Os objetivos das penas, como vimos ontem, são punir, exemplificar e reeducar. Ora, se a sociedade já disse que tal ato ou omissão já não é tão grave, por que continuar punindo alguém de forma mais severa? E estaremos exemplificando o que? E como ela poderá reeducar se as regras já mudaram? Não faria sentido.
Isso no Brasil. Em outros países, a lógica é diferente. Por exemplo, se olharmos a Inglaterra (e país de Gales), a lei não retroage para beneficiar. Por que? Porque a idéia é que no momento da ação a pessoa sabia o que estava fazendo e a pena a qual estava sujeita. Se resolveu afrontar o Estado/sociedade, precisa ser punida na medida de sua afronta para manter o respeito em relação às regras sociais de forma geral. Ou seja, a retroatividade da lei mais benéfica desequilibraria a relação entre indivíduo (criminoso) e a sociedade.
Enfim, são opções sociais diferentes lá e aqui, mas é bom sabermos que, mesmo em princípios de democracia, há sempre um outro lado.
Mesmo no Brasil, essa mesma lógica não funciona em outras áreas do direito (as áreas relacionados ao direito civil) porque, ao contrário do direito penal, o direito civil não visa punir, mas reestabelecer o equilíbrio entra as partes. E, obviamente, ele não conseguiria beneficiar um lado sem prejudicar o outro.